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Este livro foi escrito em 1993, um pouco antes do crepúsculo do século 20, datilografado em uma máquina de escrever Olivetti Lettera 82, ainda numa época analógica. Reescrito em 2021, recebeu harmonização facial na capa e nas entrelinhas. Quando foi escrito originalmente, o admirável mundo novo do século digital que estava por vir, nos espiava da coxia. Quem tinha microcomputador com monitor de fósforo verde, ostentava a máquina. A Internet era algo distante e, logo, as redes sociais ainda estavam na terra dos querubins.

Os jornais eram impressos e vendidos em bancas, junto às revistas ilustradas e aos livretos de palavras cruzadas. Em Governador Valadares, cidade do leste de Minas, as muitas bancas de revistas ofereciam aos leitores, nas calçadas, pilhas e pilhas de exemplares dos grandes jornais brasileiros: Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, Estado de Minas, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, A Gazeta e outros.

No dia 31 de janeiro de 1993, a Folha de S. Paulo, jornal paulistano que à época se vangloriava de ter “rabo preso com o leitor”, chegou a uma dessas pilhas de papel jornal, nas bancas de Governador Valadares, com um artigo escrito pelo jornalista Josias de Souza, intitulado “Crise de amor próprio”, com essa introdução.

Se tivesse um amigo ou parente nascido em Governador Valadares (MG) juro que o olharia de esguelha. Se me telefonasse manifestando o desejo de conhecer Brasília, suspeitaria no ato. Se dissesse que gostaria de passar uns dias na minha casa, inventaria uma desculpa. Se batesse à minha porta, olharia pelo olho mágico e me fingiria de morto. Abrir nem pensar. Com mineiro de Governador Valadares não se brinca...

Bem, como ainda habitávamos um mundo analógico, sem as redes sociais digitais, o compartilhamento desse artigo se deu de forma curiosa. Primeiro foi pelo “telefone-sem-fio”. “Você viu o que aquele jornal lá de São Paulo falou sobre a gente?” Assim começava o compartilhamento e o que se seguia era uma história horrenda contada de orelha em orelha, em diferentes versões, todas destilando um ódio mortal contra o jornal da família do Seu Otávio Frias.

A outra forma de compartilhar o acinte foi mostrar a alguém a edição impressa da Folha, ou a página onde o artigo estava publicado, ou ter na carteira uma fotocópia da “Crise de amor próprio”, para sacar no momento certo e compartilhar. Eu mesmo andei com uma fotocópia desse artigo na carteira e o mostrei a um monte de gente.

Se naquela época existissem as redes sociais, bastava fazer como sugeriu Gilberto Gil, no samba “Pela Internet”: entrar na rede, promover um debate, juntar via internet um grupo de tietes de Connecticut (Conecticote), com palavras e frases tão corrosivas quanto ácido sulfúrico, na mesma proporção usada no texto da Folha. 

Mesmo assim houve debate à época, e parte dele foi compilado e incorporado à história contada neste livro, quando o texto da Folha é debatido pelos personagens Dentinho e Adolpho Soares, no capítulo 4, “País das Maravilhas / Wonderland”. 

Pena que a Folha nunca soube do estrago provocado na “comunidade ordeira” desta cidade erigida numa planície no meio de um mar de montanhas dessas bandas de Minas Gerais, entre o Rio Doce e a Estrada de Ferro Vitória a Minas. Nem na comunidade baseada na região de Boston, Massachusetts, USA. 

É verdade que uma voz se levantou em favor dos valadarenses, em Brasília-DF, na tribuna da Câmara dos Deputados, no dia 4 de fevereiro de 1993. O deputado federal Ronaldo Perim, cuja base eleitoral era de Governador Valadares, desovou um discurso, curto e direto, coisa que os jovens de hoje denominam “papo reto”.

“A Folha de S. Paulo do último domingo, 31 de janeiro de 1993, publicou um artigo denominado ‘Crise de amor próprio’, o qual gostaríamos de levar ao conhecimento desta casa. E o artigo segue, mas não desejo cansar os senhores parlamentares lendo-o todo. Porém, ungido da condição honrosa de representante do povo de Governador Valadares, gostaria de externar nossa repulsa e nossa estranheza por essa grosseria cometida contra aquela comunidade. Se o autor dessa matéria conhecesse um mínimo da história de Governador Valadares, jamais praticaria esse ato que considero, no mínimo, desconfortável à história daquele povo.”

Se o deputado Ronaldo Perim não quis cansar os parlamentares, naquele dia, também não vou cansar o leitor nesta apresentação, publicando todo o discurso, que está registrado, para sempre, nos anais da Câmara dos Deputados. É verdade que o discurso, embora tenha sido “papo reto”, foi uma pregação no deserto, assim como todo e qualquer discurso de político proferido na tribuna de uma casa legislativa. Assim, continuou a Folha sem saber pra que lado fica Governador Valadares.

Mas o artigo publicado na Folha deu frutos e alimentou vários artigos científicos de pesquisadores dos movimentos migratórios, em inumeráveis universidades brasileiras e do estrangeiro, em textos redigidos sob o rigor acadêmico e das Normas da ABNT, sempre com os parênteses aprisionando “apuds irados”.

E motivou a escrita deste livro, no qual o valadarense é alçado à condição de herói. E como! Se os Estados Unidos formam uma nação democrata, Governador Valadares também é Democrata. Se gente da laia de Andrew Jackson, Martin Van Buren, James Polk, Franklin Pierce, James Buchanan, Andrew Johnson, Grover Cleveland, Woodrow Wilson, Franklin Roosevelt, Harry Truman, John Kennedy, Lindon Jonhson, Jimmy Carter, Bill Clinton, Barack Obama e Joe Biden, presidiram (e presidem) os Estados Unidos da América vestindo a camisa do partido Democrata, os valadarenses tomam partido pelo Democrata e vestem a gloriosa camisa alvinegra do Democrata, que é a imagem do poder. 

Leia o livro, Não perca tempo! A história é emocionante e vai fazer chorar quem estiver cortando cebolas.







 

A epidemia...

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